sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Fragmento - Recomeço

     Ele se aproximou, depressa, a passos largos, cruzando o hall da praça de alimentação. Eu fiquei imóvel, mal podia me fazer respirar, não acreditei no que estava vendo, não conseguia me fazer acreditar que o estava vendo á minha frente depois de tanto tempo, dez anos desde a ultima vez que o vira pessoalmente. Mais impossível ainda aqueles olhos cravados em mim, como lanças, que me causavam uma dor física. Mais impossível ainda a velocidade com a qual se aproximava, ele estava vindo em minha direção. Meu cérebro não era capaz de assimilar tudo aquilo, estava acontecendo rápido demais.
     Ele parou, ao lado da cadeira onde eu estava, permaneci imóvel, sem conseguir respirar. Com a mesma velocidade com a qual ele atravessou o salão, ele pousou gentilmente sua mão direta, sempre fria ao lado do meu pescoço, seu pulso tocava levemente o lóbulo da minha orelha, eu queria sumir, desaparecer, mas não pude me mexer, meu corpo já não me pertencia mais. Ele fechou levemente seus dedos nos meus cabelos, na base da nuca, senti uma dor leve e aguda em alguns fios que foram puxados, ele virou meu rosto na direção dele, senti meu peito inalando o ar, na tentativa vã de me ver libertar, o aroma era doce e amadeirado, não me recordava deste cheiro, mas fazia minha cabeça girar.
     Ele curvou-se sobre mim, em um tempo que pareceu uma eternidade, diminuindo a distância entre nós, enquanto eu observava seu rosto mais e mais próximo. Quantas vezes eu vi este rosto nos meus sonhos...
     Ele tocou gentilmente seus lábios nos meus, estavam quentes, eu senti uma leve pressão, meus lábios formigaram sem saber como me fazer respirar de novo. Senti uma onda percorrer meu corpo, dos lábios aos dedos dos pés, como uma bolha de ar muito grande procurando um caminho para fora do meu corpo. Senti meus dedos dos pés e das mãos amortecerem, meu cérebro estava se rendendo à falta de oxigênio, senti meu pescoço, até então tenso, afrouxar-se sob seu aperto. Ele ergueu a outra mão e gentilmente tocou meu rosto, sua mão cobria-me metade da face, onde tocava, minha pele se aquecia sob seu toque frio. Senti o impulso de tocá-lo, mas enrijeci meus braços, até então soltos ao lado do meu corpo, apertei firmemente as bordas da cadeira onde estava sentada.
     Depois e um tempo que pareceu curto de mais, ele se afastou devagar, com olhos presos aos meus, eu finalmente consegui me lembrar de como respirar, em um suspiro profundo, me senti recuperar os sentidos. Ele pôs-se ereto, soltando a mão direita da minha nuca, mas permanecendo com a outra mão em meu rosto, sem tirar seus olhos dos meus. Eu permaneci com os braços rígidos segurando as bordas da cadeira, minha respiração desordenada, meu coração pulsava audivelmente em meus ouvidos. Meus olhos não conseguiam se libertar do brilho verde naqueles olhos.
     Em um movimento lento e longo, sua mão esquerda se estendeu em minha direção, com a palma voltada para cima, chamando pela minha. Eu apertei as bordas da cadeira com ainda mais força, não compreendia o que eu estava sentindo, não conseguia raciocinar, estava confusa. Sua presença sempre me causava este efeito, confusão e insegurança, e de repente, eu voltava a ter quinze anos. Em um movimento quase involuntário, minha mão esquerda afrouxou-se e foi em direção a dele. Minha mão pequena pousou sobre a palma de sua mão, tão maior que a minha, como se ali pertencesse. Meu coração se sentiu mais leve, e era como se todo o universo que eu carregava dentro do peito tivesse virado pó. Eu não podia saber, o que este simples gesto implicaria, e nem o quanto esta escolha muda refletiria em minha vida, mas eu não poderia permitir-me escapar aquela mão mais uma vez. E assim, sem palavra alguma sua mão se apertou em torno da minha."

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