sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Fragmento - Não muda nada

     Fragmento - Não muda nada

     - Eu te amo tanto, Aninha! Eu não entendo como você pode fingir que não sente nada! Eu posso ver nos teus olhos, no teu sorriso. Eu posso ver como teus gestos refletem os meus. Eu sinto... eu... - Perdeu-se em um suspiro, sentia -se explodir havia jogado aquele jogo por tempo demais, esperado tempo demais, sentia como se todas as suas chances já houvessem lhe escapado.
     Ela permaneceu ali, com seu olhar penetrante, fixando apenas os olhos dele. Brilhantes olhos verdes claro, com pequeníssimos pontinhos coloridos, refletiam todas as cores do universo. Ela continuou muda, o tempo parava toda a vez que encarava aqueles olhos. Brincava de contar quantas cores conseguia encontrar. Amava aqueles olhos mais do que a si mesma, eram os mesmos que habitavam seu mais belos sonhos... Era todo o universo. Calmo. Aconchegante. Assustador. Infinito.
     - Eu não vou dizer. - Sentiu seus olhos umedecerem com lágrimas que tentava segurar. - Não posso dizer. Enquanto mantiver as palavras trancadas aqui dentro, posso seguir em frente. Eu não me arrependo. Eu acredito no caminho que escolhi. - Agora as lágrimas rolavam fartas por suas faces, comprimiam sua garganta. - Não mudaria nada, mesmo que eu dissesse. Não mudaria.

     Ele podia sentir o sofrimento dela, como dele próprio. Sentia que sempre fora assim, possuíam uma ligação empática, apesar da distância. Sempre sabiam, de alguma forma, quando o outro não estava bem. Mas ali, a sua frente, vê-la chorar, foi mais dolorido do que qualquer outra coisa. Não devia tê-la pressionado. Sabia que não deveria, sabia que era errado. Mas sentia-se no limite, sentia que não tinha mais controle daquela situação, havia chegado ao se limite.
     Sentia necessidade de consolá-la, fazer sessar aquelas lágrimas. Abraçou-a, era tão pequena. Chorando assim, com o rosto enterrado em seu peito, parecia uma criança. A princípio ficou imóvel, rígida, não respondeu ao seu abraço, mas também não recuou. Na verdade, ela sabia que jamais recuaria, mesmo sabendo que deveria. Depois de um curto instante envolveu os braços ao redor dele, apertando o rosto com mais força contra seu tórax, chorando convulsivamente, ela segurou a camisa em suas costas, com suas mão pequenas fechando-as em punho, tentando conter as lágrimas. Ele afagou-lhe as costas, beijou seu cabelos, murmurou em seu ouvido:
     - Shhhhhhh... Tudo bem... Tudo bem...
     Ela sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, com a proximidade daqueles lábios em seu ouvido. Sentindo aqueles braços ao seu redor, o calor e conforto que ela já conhecia, antes mesmo de se tocarem, quase como se fosse parte dela própria. Ela virou o rosto de leve, em um movimento automático, encostando o ouvido em seu peito, escutando seu coração fora de ritmo. Ele pousou de leve seus lábios nos dela, aproveitando a proximidade de seus rostos, ou talvez apenas agindo automaticamente, obedecendo seu corpo, como se ele se movesse sozinho, sempre em direção àquela garota. Novamente, como ela sabia que seria, ela não recuou, sentiu um gemido escapar-lhe por entre os lábios, quase inaudível, mas o suficiente para que ele intensificasse a pressão sobre seus lábios, sentiu sua mão pressionar-se à base de sua cintura, uma mão grande, morna, ocupava todo os espaço de um lado a outro de sua fina silhueta.
Então, por um instante, curto e ao mesmo tempo longo demais, ela esqueceu a si mesma, esqueceu quem era, onde estava, e tudo o que existiu foi aquele beijo, e tudo o que existiu foi o universo. Calmo. Aconchegante. Assustador. Infinito.
     - Desculpe. - De súbito ele se afastou, com as faces em brasa, como que voltando a si, a um momento de perder completamente o controle. - Desculpe, eu sei que não devia... Não deveria... Desculpe.
     Ele foi se afastando dela, aproximando-se da porta, a porta que levava de volta ao salão, onde muitas pessoas dançavam. A porta que o levava para fora da sacada onde se encontravam.
     - Eu vou te amar pra sempre. - Ele deu uma risada sem humor e fixou seu olhar nela, esboçando um sorriso torto. - Mas você já sabe disso, eu não preciso dizer. E não preciso ouvir também. Eu sei que não muda nada.
     Ele saiu pela porta. As lágrimas rolaram ainda mais fartas. Tentava entender o que havia acontecido. Tinha certeza de não ter dito as palavras, mas mesmo assim, de alguma forma, durante aquele breve e ao mesmo tempo logo beijo, sentia que elas lhe haviam escapado, fugido ao controle. No lugar onde elas habitavam agora, um buraco vazio, doído. Ao seu redor, as palavras a esmagavam, agora, grandes demais para serem colocadas de volta. Pesadas demais para serem carregadas... Ela gritou para a noite, mas a música estava alta do lado de dentro e ninguém escutou.

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